Projeto da Fiocruz Amazônia investiga riscos de doenças cardiovasculares em indígenas desaldeados

O Projeto Manaós: Saúde da População Indígena em Contexto Urbano”, desenvolvido pela Fiocruz Amazônia, por meio do Edital Saúde Indígena, do Programa Inova Fiocruz, entra a partir deste mês de março em sua segunda fase de execução de atividades voltadas para as 750 famílias de 35 etnias indígenas, que vivem atualmente no Parque das Tribos, primeiro bairro indígena de Manaus.

O projeto, que atuou inicialmente no diagnóstico da realidade dos indígenas desaldeados e as dificuldades enfrentadas por eles no acesso aos serviços de saúde, passará agora a desenvolver linhas específicas de ação, voltadas ao empoderamento comunitário, formação de agentes indígenas de saúde e a investigação de fatores de risco cardiovasculares dos indígenas que vivem na área urbana. Essa investigação, de acordo com o pesquisador da Fiocruz Amazônia e coordenador do projeto, Rodrigo Tobias de Souza Lima, inaugura no Brasil uma linha de pesquisa específica com indígenas não aldeados que vivem com contextos urbanos e periféricos das grandes cidades.

“A investigação atende a um dos vetores de trabalho nessa segunda fase do projeto que nos permitirá entender a dinâmica caraterizada pela vinda dos indígenas de suas tribos e aldeias, para as áreas urbanas, onde passam a ter acesso a um novo modo de vida, implicando na mudança de hábitos alimentares, que aumentam a prevalência de hipertensão e diabetes entre eles”, explica Rodrigo Tobias, observando que, quando vêm para os centros urbanos, os indígenas buscam “melhores” condições de vida, mas não encontram espaço e condições para produção do próprio alimento, o que os obriga a adotar hábito alimentares não-indígenas.

“Neste sentido, queremos investigar os fatores de risco de doenças cardiovasculares dado o aumento da prevalência de indígenas hipertensos e diabéticos”, afirma.

A segunda etapa do Projeto Manaós conta com financiamento do Ministério da Saúde e do Programa Inova Fiocruz. Ela dá continuidade ao trabalho que vem sendo desenvolvido desde 2019, quando o projeto foi concebido com a finalidade de promover uma reflexão sobre o acesso aos serviços de saúde de populações multiétnicas indígenas em território urbano em Manaus, a partir do mapeamento do perfil de saúde e socioeconômico da população indígena que vive na comunidade.

Foram identificados processos de organização sociocultural e política, no acesso aos serviços de saúde, visando fortalecer a rede de atenção à saúde e proteção social responsável pelo atendimento às famílias do território, com o objetivo de priorizar o cuidado mediante o uso dos sistemas tradicionais indígenas de saúde.

“A intenção foi pensar esse aspecto de direito a cidade, num território que é urbano de Manaus. O projeto acabou por dar voz a vários problemas dos indígenas sediados em vários outros centros urbanos espalhados no Brasil. O projeto, na verdade, é o grande nascente dos debates sobre como podemos garantir direitos a saúde, aos equipamentos sociais, de populações indígenas não aldeadas, porque as políticas públicas cobrem os indígenas aldeados, mas quando eles saem das aldeias e vêm para as periferias dos grandes centros ficam também nas periferias do acesso aos serviços”, explana Rodrigo Tobias.

 

CONQUISTAS

O Projeto Manaós conseguiu promover a mobilização e dar visibilidade à comunidade indígena do Parque das Tribos, relacionando aspectos das culturas, história e o dilema que encontram quando se deparam com o mundo não indígena. “Eles não se vêm pertencentes a um território como se viam nas aldeias, e por outro lado ficam à mercê ou invisíveis para as políticas públicas”, pondera Tobias.

Na sua primeira fase, o Manaós teve como principais resultados práticos o apoio à criação da Associação Indígena e de Moradores do Parque das Tribos (AIMPAT), e à discussão acerca da construção da primeira UBS da Prefeitura de Manaus, unidade que se pretende configurar como culturalmente diferenciada, com projeto específico voltado para as populações indígenas. A obra está em execução.

“O processo de discussão envolveu todas as camadas organizadas daqui, as lideranças estabeleceram um diálogo com a Secretaria de Saúde da Prefeitura de Manaus, diretamente, por meio da equipe de saúde, com participação do Ministério Público Federal”, explica Tobias.

A liderança indígena Lutana Kokama (Lucenilda Ribeiro Albuquerque), reside há oito anos na comunidade e preside a associação. Ela destaca a importância do Projeto Manaós para as conquistas obtidas até agora na área da saúde.

“Nossas populações indígenas não tiveram a oportunidade que estamos tendo agora na área urbana, graças ao Projeto Manaós. São várias pesquisas que estão dando resultado, desde a UBS, com a parceria com Funai, Prefeitura de Manaus que traz para os indígenas da área de Tarumã Açu, atendimento e pronto socorro, atendendo o nosso sonho de ter uma UBS dessa aqui, que atenda os indígenas não só daqui, mas de outros bairros”, comemora. Segundo Lutana, o número de indígenas que chegam ao Parque das Tribos aumenta diariamente. “Já temos etnias do Pará, da Bahia, do Ceará, vai agregando essas famílias que vão vindo”, conta.

Rodrigo Tobias reforça que a UBS tem um papel importantíssimo e traz consigo aspectos de empoderamento à comunidade porque vai garantir o acesso aos serviços de saúde de forma planejada.

“A UBS é de porte 4, com vários espaços que permitam mudanças dadas as características culturais da população. Mais do que oferecer médicos, enfermeiros, também vai garantir espaço para atuação dos pajés, espaço para a produção de plantas medicinais, será um território vivo, conciliando a medicina indígena com a biomedicina”, comenta.

A experiência, segundo o pesquisador, será importante também do ponto de vista da convivência.

“Mesmo nas aldeias, o trabalho que as equipes médicas fazem é pontual; aqui a atuação será permanente, onde o encontro de vários saberes reverberará outros movimentos. Com a UBS, o Parque das Tribos vai se tornar um centro de excelência para entendimento sobre modo de vida e aspectos da cultura indígena na perspectiva da produção do cuidado em saúde. O vetor saúde aparece como esse lugar da produção de cuidado e da produção de conhecimento do encontro de diferentes”, concluiu.

 

PARQUE DAS TRIBOS

Localizada no bairro Tarumã, Zona Oeste de Manaus, residem na comunidade Parque das Tribos, aproximadamente 2.800 indígenas de 35 etnias. A ocupação da comunidade foi planejada desde 2012, ocorrendo em 2013. Em relação ao acesso à saúde em nível de Atenção Básica, a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima desta comunidade está localizada a uma distância aproximada de 4 km, e a 6 Km de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

O “Projeto Manaós” conta com financiamento do Fundo de Inovação da instituição e do Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE). O Projeto foi articulado como uma ação colaborativa entre diversos atores envolvidos no campo da saúde indígena, em contexto urbano.

 

Parceiros

A iniciativa teve como parceiros e participantes ativos na construção e execução das atividades do projeto, indígenas, profissionais de saúde, gestores da saúde, educadores, e instituições como a Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas (SES-AM), Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (SEMSA Manaus), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania (SEMASC), Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (COPIME), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Centro de Medicina Indígena da Amazônia, Grupo de Trabalho Intersetorial de Saúde Indígena da Região de Manaus e Entorno (GTI), e Fundação Nacional do Índio – Coordenação Manaus e Entorno (FUNAI).

O projeto foi aprovado na Chamada Pública 001/2021 Saúde Indígena do Edital Inova Fiocruz, com foco exclusivo no apoio a propostas que dialogam com os objetivos, princípios e pressupostos do Subsistema de Atenção à Saúde indígena (SasiSUS).

Entre as principais atividades promovidas pelo projeto, estão o mapeamento do perfil de saúde e, socioeconômico da população indígena que vive na comunidade, identificando processos de organização sociocultural e política, no acesso aos serviços de saúde, visando fortalecer a rede de atenção à saúde e proteção social responsável pelo atendimento às famílias do território, com o objetivo de priorizar o cuidado mediante o uso dos sistemas tradicionais indígenas de saúde. Oficinas para orientar sobre a rede de saúde, webinários, formação de lideranças, agentes de saúde e atividades realizadas de forma interdisciplinar com organizações ligadas às causas indígenas, permitiram uma visão mais ampla das demandas dos indígenas que vivem na comunidade.

 

 Fotos: Ingrid Anne / ILMD Fiocruz Amazônia

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