A onda de frio extremo que chega ao Sul e Sudeste do Brasil nesta semana poderá fazer com que alguns brasileiros questionem se o planeta está, de fato, aquecendo. Sim, está — e há fortes indícios de que a onda de frio seja ela mesma intensificada pelas mudanças climáticas em curso.
A onda deve derrubar as temperaturas nos estados do Sul, Sudeste e de parte do Centro-Oeste até o próximo domingo (1º/8).
Nas serras catarinense e gaúcha, as mínimas previstas são de -10ºC, com sensação térmica de até -25ºC, enquanto Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Campo Grande, São Paulo, Belo Horizonte e Vitória devem registrar as menores temperaturas do ano.
Será a segunda onda de frio intenso a atingir a região em menos de um mês. Em 30 de junho, várias cidades do Sul e Sudeste tiveram as menores temperaturas dos últimos anos — marcas que agora poderão ser batidas pela nova onda.
O frio extremo atinge o sul do Brasil enquanto, no Hemisfério Norte, vários países registram recordes de calor e de volume de chuvas.
No Canadá, os termômetros na cidade de Lytton mediram 49,6ºC no fim de junho — marca que superou em 4,6ºC a temperatura mais alta registrada no país até então.
Poucas semanas depois, chuvas muito acima dos padrões inundaram cidades na Alemanha e na China. Os eventos extremos nos três países provocaram centenas de mortes.
É mais fácil entender como as mudanças climáticas favorecem recordes de calor e de chuva.
Intensificados nas últimas décadas, a queima de combustíveis fósseis (como o petróleo e o carvão) e o desmatamento ampliam a quantidade na atmosfera de gases causadores do chamado efeito estufa.
Esses gases dificultam a dispersão do calor dos raios solares que atingem o planeta, o que tende a aumentar a temperatura no globo como um todo.
Temperaturas mais altas, por sua vez, aceleram a evaporação da água, o que facilita a ocorrência de temporais.
A temperatura da Terra já subiu cerca de 1,2ºC desde o início da era industrial, e as temperaturas devem continuar aumentando a menos que os governos ao redor do mundo tomem medidas para reduzir as emissões. Porém, o aumento das temperaturas médias não quer dizer que ondas de frio não continuarão a ocorrer — nem mesmo que elas não possam se intensificar em situações específicas.
É o caso da massa polar que chega ao Brasil nesta semana, diz à BBC News Brasil o geógrafo e climatologista Francisco Eliseu Aquino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Aquino foi um dos primeiros pesquisadores a estudar as conexões climáticas entre o sul do Brasil e Península Antártica — tema de sua tese de doutorado, em 2012.
Ele diz que, ao longo do ano, massas de ar circulam em sentido horário entre as duas regiões: o sul do Brasil envia à Antártida massas de ar quente e recebe dela massas de ar frio.
Segundo Aquino, a velocidade dessa circulação se acelera conforme a mudança climática eleva a temperatura no Brasil no inverno, época do ano em que a Antártida está bem gelada por não receber qualquer insolação.
Além disso, o calor acima do habitual no sul do Brasil “perturba” o sistema de trocas, induzindo o ar quente a entrar na Antártida e abrindo o caminho para a chegada de ar frio.
Não por acaso, diz ele, exceto pelas ondas pontuais de frio de 2021, o centro-sul do Brasil tem tido um inverno mais quente que a média — o que também tem ocorrido nos últimos anos.
Na véspera da chegada desta massa polar, os termômetros em cidades como Porto Alegre e São Paulo beiravam os 30ºC. Em pleno inverno.
Outro ponto que tende a ampliar o impacto desta onda de frio, diz Aquino, é que a massa que chega ao país se resfriou ainda mais ao passar pelo mar de Weddell — uma das regiões mais geladas da Antártida.
As condições são tão propícias ao avanço da massa, diz ele, que a onda deve derrubar as temperaturas até o sul da Amazônia.
Aquino afirma que especialistas já previam há cerca de 15 anos a ocorrência dos eventos que hoje observamos no centro-sul do Brasil — incluindo ondas de frio extremo em meio a invernos quentes e secos.
“Caminhamos para um cenário de estiagens mais longas e secas no Brasil, com o desmatamento e as queimadas intensificando esses processos”, ele diz.
Aquino afirma que o planeta caminha rumo aos “limiares mais perigosos possíveis” dos cenários projetados para 2030 ou 2050.
Embora o Acordo de Paris tenha estabelecido a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação aos padrões pré-industriais, ele diz que os esforços foram comprometidos pelos anos em que Donald Trump exerceu a presidência nos EUA.
Trump retirou os EUA do acordo e estimulou setores poluentes, o que atrasou a implantação das metas mundo afora.
“O que a comunidade científica entende hoje é que com certeza vamos ultrapassar os 1,5 ou 2 graus.”
Para Aquino, os eventos extremos em curso “já dão sinais de que as mudanças podem ser mais intensas do que as previstas pelos cenários mais ruins”.