As últimas estatísticas de casos, internações e mortes por Covid-19 no Brasil trazem uma conclusão importante: as vacinas funcionam e protegem contra as formas graves da doença, mas algumas pessoas mais vulneráveis realmente precisam tomar uma terceira dose, apontam especialistas.
Um dos principais trabalhos a mostrar essa realidade é o Boletim Observatório Covid-19, publicado semanalmente pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
No material, é possível ver claramente como a proporção de indivíduos acima de 60 anos que foram hospitalizados ou morreram por infecções respiratórias diminuiu ao longo de todo o primeiro semestre de 2021 — vale lembrar aqui que a campanha de imunização do Brasil se iniciou justamente pelos mais velhos.
Com o passar do tempo, porém, a participação relativa dessa faixa etária entre os acometidos pela pandemia voltou a subir de forma preocupante.
A reversão nas tendências exigiu adaptações no Plano Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, que anunciou que ofertaria uma terceira dose da vacina a alguns grupos a partir de setembro.
“Nosso trabalho enquanto cientistas é justamente coletar os dados e orientar ajustes nas políticas conforme a gente conhece melhor os imunizantes e seus efeitos na prática”, diz a imunologista Cristina Bonorino, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Outra mudança importante, que tem a ver com os aprendizados recentes, foi a necessidade de adotar estratégias mais inteligentes sobre o uso dos recursos disponíveis. Antes, num cenário de escassez de doses, a premissa era aplicar as vacinas que estivessem disponíveis em quem mais precisava. Hoje em dia, existe a possibilidade de indicar o uso de um imunizante ou outro para situações e públicos específicos.
Mas como chegamos até aqui? E como esses novos conhecimentos impactam a vacinação contra a Covid-19 e podem ajudar a controlar a pandemia?
Como uma onda
Para entender todo esse cenário, precisamos olhar com mais atenção para os informes publicados pelo Observatório Covid-19 da Fiocruz. Lá, é possível conferir que os indivíduos acima de 60 anos representavam 63% de todas as internações e 80% das mortes por Síndrome Aguda Aguda Grave (SRAG) registradas no Brasil durante a primeira semana de 2021.
E aqui vale uma ressalva: os serviços de saúde do país são obrigados a notificar ao Ministério da Saúde todos os casos de hospitalização por infecção respiratória. Essa base de dados de SRAG, portanto, permite ter uma ideia de como está a situação dessas doenças no país, embora não consiga detalhar especificamente qual o tipo de vírus (ou outro agente) que é o principal responsável por todas essas internações. Mas, durante a atual pandemia, considera-se que a maioria dos quadros infecciosos tenha mesmo a ver com o coronavírus.
Bom, mas o que aconteceu com esses números nos meses seguintes, conforme a campanha de vacinação contra a Covid-19 avançava e protegia especialmente a camada mais velha da população brasileira?
Como era de se imaginar, os números despencaram: em meados de junho, os idosos passaram a representar 27% das internações e 34% das mortes por SRAG. A participação relativa deles nas estatísticas oficiais caiu pela metade.
Porém, a partir de julho e agosto, esses índices voltaram a subir significativamente entre essa população. Em algumas semanas de setembro, 54% das hospitalizações e 74% dos óbitos ocorreram entre os mais velhos.
E há pelo menos quatro fatores que ajudam a explicar esse fenômeno.
1. Mais jovens vacinados
Como explicamos acima, a vacinação contra a Covid-19 priorizou, num primeiro momento, os profissionais da saúde e os idosos. A meta era proteger aqueles que tinham mais probabilidade de infecção pelo vírus ou que corriam maior risco de sofrer com as complicações da doença, que exigem internação e intubação.
Com o passar dos meses, os mais jovens foram incluídos aos poucos na campanha, até que, nos meses de agosto e setembro, muitas cidades brasileiras já tinham aplicado ao menos a primeira dose em praticamente 100% de todos os indivíduos com mais de 18 anos.
“O avanço da vacinação com a primeira dose já permitiu que houvesse uma redução de risco dos mais jovens, que também passaram a ficar um pouco mais protegidos de hospitalizações e óbitos pela Covid-19”, analisa o infectologista Julio Croda, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Com isso, a participação relativa de cada faixa etária nos números de internações e mortes voltou a ficar “equalizada”: como a infecção pelo coronavírus é muito mais perigosa para os idosos, eles voltaram a representar novamente uma fatia grande dos acometidos.
2. Sistema imune dos mais velhos
O segundo ponto que ajuda a explicar esse aumento de hospitalizações de idosos por infecções respiratórias é o envelhecimento natural do sistema imunológico.
Conhecido entre especialistas como imunossenescência, esse processo foi descrito há tempos e tem a ver com uma menor efetividade das células de defesa com o passar das décadas.