Icsez/UFAM tem primeira estudante indígena a graduar no curso de jornalismo
“Rü wü’i ta’ū meū fa’ tcha’yau’, Tama tchorürica’ notürü naca’ guūma i duūgü i maījugü īggüū” [“É uma conquista não só minha, mas de toda população indígena”], disse Emilli Marolix, expressando o significado da conclusão do ensino superior no curso de Jornalismo, tornando-se a primeira estudante indígena a realizar essa conquista no Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia (Icsez), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em Parintins. A defesa do trabalho de conclusão do curso ocorreu no dia 13 de novembro, com a outorga programada para janeiro de 2024.
Oriunda da rede pública de ensino, Emilli, que é da etnia Tikuna, sempre estudou em sua aldeia – Filadélfia – no município Benjamin Constant.
“Eu sempre estudei em escola pública dentro da minha aldeia, tanto o Ensino Fundamental quanto o Médio. Escolhi o Jornalismo porque sempre foi uma profissão que eu admirei desde muito pequena, os repórteres, os apresentadores, então, não foi uma escolha muito difícil. Era um dos meus maiores sonhos que agora se tornou realidade”, revela. “Sempre quis estudar em uma universidade pública, na Ufam, principalmente. Sempre foi meu desejo estudar na Universidade Federal do Amazonas. Tinha o curso em Parintins, então, eu fiz o PSI, passei e vim para cá”, conta.
A aprovação no Processo Seletivo para o Interior (PSI), da Ufam, fez com que a estudante vivenciasse novas experiências, boas e ruins.
“Esse processo da minha viagem para cá [Parintins] foi muito complicado e doloroso porque, na época que a gente passou no vestibular, o meu pai também foi aprovado, nós estávamos em dificuldades financeiras e não tínhamos condições de mudar para Humaitá [o pai] e Parintins [ela]. E eu era menor de idade também, tinha 16 para 17 anos. A única coisa que meu pai pôde fazer foi vender a moto que ele tinha, o único meio de transporte que ele tinha, para poder me ajudar. Então, em todo esse processo de mudança a gente sofreu muito. Teve o preconceito também. Mas eu vim decidida que iria conseguir realizar esse sonho e estou aqui”, relembra.
Mesmo o Amazonas sendo o estado brasileiro com a maior população indígena do País, Emilli perdeu a conta de quantas situações de preconceito sofreu depois que deixou sua aldeia.
“Durante a minha graduação eu sofri preconceito tanto dentro da Universidade quanto fora. Uma coisa que me marcou dentro da Ufam foi um colega minha que perguntou se eu conhecia maçã e, em seguida, disse que eu não conhecia porque eu vivia na aldeia; e outras piadinhas que ela fazia comigo que me deixavam muito triste. Isso me marcou porque dói muito, o preconceito machuca. E eu sei que não só eu passei por isso, mas vários indígenas, parentes meus, passaram por coisas piores”, lamentou a universitária.
“Outro caso, fora da Universidade, a dona do apartamento onde eu morava não sabia que eu era indígena, e veio falar de outro morador – que ela sabia que era. Ela falou como se não fôssemos gente, mas bicho. Dói muito esse tipo de situação, porque só pelo fato de sermos indígenas a gente tenha que passar por isso. Quando, na verdade, a gente tem direito de estar aonde quiser, de conquistar os espaços. E isso acontece comigo desde criança, todas as vezes que precisei conviver com o mundo fora da aldeia”, relatou.
“Para mim é uma honra poder estar representando meu povo, principalmente a minha aldeia indígena Tikuna, Filadélfia. Então mais do que qualquer outra coisa, essa conquista significa mais uma batalha vencida frente às tantas outras que temos que enfrentar no dia a dia só por sermos indígenas, por isso é uma conquista não só minha, mas de toda população indígena”, expôs Emilli.
Orientador do trabalho de conclusão de curso de Emilli, o professor Gerson André Albuquerque Ferreira falou sobre a vivência da estudante na Universidade.
“Eu não tive a oportunidade e o privilégio de ter a Emilly como aluna, mas tenho referências de que de início teve algumas dificuldades de adaptação, mas é muito natural pelas marcações de relações entre sujeitos de culturas diferentes”, declarou o doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e mestre em Sociologia.
“Quanto ao significado dessa conquista, eu considero como uma mostra de força e coragem além de representar uma conquista afirmativa da capacidade e da necessidade de ampliação de programas de permanência e de estimular a participação mais ativa dos étnicos na universidade.
O especialista avalia o feito do ponto de vista da mudança social no contexto da sociedade brasileira.
“Houve sim uma ampliação de conquistas de espaços de fala nos ambientes públicos, mas isso é fruto de uma luta que tem mais de 500 anos com avanços e retrocessos. Recentemente vimos um massacre brutal nos territórios Yanomami. Como minha orientanda, destaco a determinação e o esforço da Emilly. Foi uma relação em que eu aprendi muito. E já estou conversando com ela para ela seguir para o mestrado. E ela aceitou”, expôs o docente.